Artigo publicado no blog da Scot Consultoria discute assuntos da atualidade da economia brasileira, onde o agronegócio parece continuar desempenhando papel fundamental na segurança financeira do país, confira abaixo.
Texto integral publicado por Alcides Torres no blogs.canalrural.com.br/blogdoscot
A agropecuária é a salvadora da pátria?
13/07/2017
19:27
Felippe
Cauê Serigati possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade
Estadual de Campinas (2005), mestrado em Economia de Empresas pela
Fundação Getulio Vargas – SP (2008) e doutorado em Economia de Empresas
pela Fundação Getulio Vargas – SP (2013). Atualmente é professor da
Fundação Getulio Vargas – SP e pesquisador da Fundação Getulio Vargas –
SP. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Economia Agrária.
Scot Consultoria: Professor,
os atuais números da economia vêm sendo um pouco melhores, é possível
dizer que o país saiu da recessão ou ainda estamos estagnados?
Conseguiremos manter um PIB positivo no segundo trimestre?
Felippe Cauê Serigati: Com
exceção dos números sobre o mercado de trabalho, de fato, os últimos
dados divulgados pelo IBGE têm sido melhores do que aqueles anunciados
em 2016. Embora em termos técnicos, a recessão já tenha acabado
(recessão técnica é a sequência de dois ou mais trimestres consecutivos
de contração do PIB), na realidade, é possível dizer que a recessão
ainda prossegue. Os investimentos e o consumo das famílias ainda não
reagiram, a taxa de desemprego ainda está muito alta, o mercado de
crédito continua desaquecido e ainda há muita ociosidade na economia.
Enfim, a economia ainda não voltou a reagir e, infelizmente, não está
descartada uma leve contração do PIB ao longo do segundo trimestre.
Scot Consultoria: A
instabilidade política no País ainda é grande. Qual seria o tamanho do
prejuízo para a economia de uma nova troca na Presidência da República,
um ano após o impeachment?
Felippe Cauê Serigati: Creio
que o prejuízo já esteja dado. Havendo ou não troca no comando do
Palácio do Planalto, a agenda de reformas já foi para a geladeira. Por
um lado, pessoalmente, mesmo se mantendo no poder, não enxergo o Governo
Temer forte o suficiente para passar as reformas com algum conteúdo
relevante (talvez até passe algo na Reforma Trabalhista, talvez…). O
fato é que o Governo Temer perdeu fôlego. Se conseguir passar alguma
reforma, provavelmente, terá que passá-la de forma muito desidratada.
Por
outro, não acho que o cenário melhore caso haja uma troca na
Presidência da República. Os nomes que circularam na imprensa até o
momento não me parecem suficientemente fortes ou convictos para
retomarem a agenda de reformas. Particularmente, classifico os nomes que
já foram mencionados na imprensa em três grandes grupos:
(i)
fortes e com articulação com o Congresso, porém feridos por alguma
investigação: a força dos nomes com essas características não deve durar
muito. Ou seja, não conseguirão tocar a agenda de reformas;
(ii)
sem grandes envolvimentos (até o momento!), mas sem poder de
articulação ou legitimidade junto à sociedade: podem até levar o nosso
barco até o final de 2018, mas não devem fazer grande coisa;
(iii) aventureiros e oportunistas: bom, nesse caso, creio que meu cenário base seria “ladeira a baixo”.
Scot Consultoria: O senhor acredita que a reforma trabalhista, por estimular a produção, seria a indutora da economia para os próximos anos?
Felippe Cauê Serigati: Não
diria que seja um indutor, mas um facilitador. A reforma trabalhista
não trará o crescimento de volta, mas permitirá que, quando vier, ele
seja mais intenso e sustentável. Em outras palavras, em minha opinião, a
reforma trabalhista, ao reduzir os custos e os riscos de uma
contratação, permitirá incorporar uma fração maior da força de trabalho
ao mercado quando a economia voltar a crescer.
Scot Consultoria: Após
as alterações feitas na proposta da reforma da previdência, o Senhor
acha que essa atualização será suficiente para sustentar o setor
previdenciário ou teremos que voltar à essa pauta em breve?
Felippe Cauê Serigati: Certamente,
voltaremos a discutir reforma da previdência em, no máximo, cinco ou
sete anos. Reformar a previdência não será um ato, será um processo… e
longo. A sociedade brasileira está envelhecendo rapidamente (de forma
mais acelerada que diversas outras economias – exceção da China) e o
nosso sistema é muito desequilibrado.
Nenhuns
dos grupos que são favorecidos deram sinais de que abrirão mão dos seus
benefícios. Com isso, a conta não fecha e estamos comprometendo cada
vez mais os recursos pagos pelos contribuintes apenas com essa despesa
(na realidade, estamos até nos endividando para pagar essa conta…) em
detrimento das demais demandas da sociedade.
Scot Consultoria: Por que o agronegócio vem obtendo desempenhos superiores aos da economia brasileira, em média, há vários anos?
Felippe Cauê Serigati: Por
uma combinação de fatores: do lado da demanda, o nosso agronegócio
encontrou um cenário bastante favorável (por exemplo, com a expansão da
renda e a urbanização crescente de diversas economias); do lado da
oferta, o setor fez a sua lição de casa, buscando de forma obsessiva
maior produtividade. Infelizmente, diversos outros setores da nossa
economia não conseguiram fazer essa lição ou sequer adotaram como
estratégia a busca por maior produtividade.
Scot Consultoria: Felippe,
somos um país que produz principalmente produtos primários (soja,
carne, petróleo..) isso é bom para o Brasil? Porque a indústria tem
tanta dificuldade para evoluir?
Felippe Cauê Serigati: Com
certeza é bom. Por que seria ruim ser eficiente e competitivo na
produção de produtos primários? O problema é conseguir ser competitivo
apenas em produtos mais básicos (soja, açúcar, carnes, celulose, minério
de ferro, petróleo bruto, etc.). Todavia, discordo da tese de que a
indústria vai mal porque os setores primários vão bem. Não vejo porque
ser competitivo em produtos primários nos torna menos competitivos em
produtos mais elaborados. Em outras palavras, de que forma o sucesso do
agronegócio ou da Vale compromete, por exemplo, a expansão da indústria
automotiva ou de linha branca? Pessoalmente, não vejo contradição entre
ter uma indústria forte e ter setores primários competitivos. Alguns
argumentarão que a taxa de câmbio pode ser a grande vilã. Porém, o
agronegócio caminhou bem com câmbio apreciado ou depreciado, e a
indústria não conseguiu evoluir bem com câmbio apreciado ou depreciado.
Por
que a indústria brasileira tem encontrado tanta dificuldade pra
evoluir? Na minha opinião, por um grande motivo: Custo Brasil. Produzir
no Brasil é muito caro. Comparado com outras economias (inclusive
algumas emergentes) somos caros pela produtividade que conseguimos
entregar. Por trás desse elevado Custo Brasil há diversos fatores (que
todos já conhecem): mão de obra cara e pouco produtiva, infraestrutura
precária, burocracia sufocante, carga tributária elevada, sistema
tributário confuso, enorme insegurança jurídica, crédito caro
(principalmente, foras das linhas subsidiadas pelo governo), etc.
Essa
situação fica ainda mais problemática quando se tem concorrentes
bastante agressivos e competitivos, como os asiáticos. Estamos
encontrando grandes dificuldades para competir com eles. É verdade que
não somos apenas nós; basta lembrar da agenda protecionista que elegeu o
Donald Trump nos Estados Unidos. O nosso caso ficou ainda pior por um
longo período de câmbio mais apreciado que permitiu que diversos bens
importados chegassem à nossa economia de forma mais barata.
Percebam
que esse Custo Brasil afeta toda a indústria brasileira, inclusive a
agroindústria. De acordo com os números do CEPEA sobre o PIB do
agronegócio, entre 2000 e 2016, enquanto a as atividades agropecuárias
cresceram em média 4.4% a.a., a agroindústria cresceu apenas 1.6% a.a.
Assim como as demais indústrias, a agroindústria também não conseguiu
evoluir. Em outras palavras, exportamos commodities, mas temos muito
dificuldade de exportar alimentos. O custo de produzir qualquer bem que
demande um número maior de etapas ao longo do seu processo produtivo é
muito grande. Resultado: produzimos a matéria-prima mais básica e,
imediatamente, encaminhamos para o porto, em vez de manufaturá-la. Veja
que tivemos um desempenho favorável nas atividades agropecuárias e na
indústria extrativa (minério e petróleo). O caso da Embraer tem sido uma
exceção na nossa economia.
Scot Consultoria: O
agronegócio tem um importante peso no Produto Interno Bruto (PIB). A
tendência é que a participação aumente no médio prazo e o setor continue
sendo a âncora da economia brasileira?
Felippe Cauê Serigati: Não
estou 100% confortável com a expressão “ser a âncora da economia
brasileira”. Certamente, o agronegócio tem dado grandes contribuições
para a economia nacional. Entre elas, destaco (i) a dinamização da
economia pelo interior do país (isto é, fora das principais regiões
metropolitanas), (ii) o auxílio na desaceleração da inflação, (iii) a
atração de divisas via exportações e, principalmente, (iv) o exemplo de
que o segredo para o crescimento de médio e longo prazo é a busca
incessante por maior produtividade. Porém, não considero o nosso setor a
âncora da economia brasileira. Em outras palavras, não é por meio do
nosso setor que o Brasil sairá da crise. Apesar dos grandes avanços
promovidos pelo universo agro ao longo das últimas décadas, não parece
que as atividades agropecuárias (ou até mesmo o agronegócio como um
todo) tenham força para, sozinhas, tirar a economia do buraco.
Os
números divulgados pelo IBGE no início de junho voltaram a deixar esse
ponto claro. Comparando com o 1º trimestre de 2016, a economia
brasileira contraiu 0,4% ao longo do 1º trimestre de 2017. Por trás
dessa contração, houve uma fortíssima expansão das atividades
agropecuárias de 15,2%, e a contração de 1,1% e de 1,7% da indústria e
dos serviços, respectivamente. Ou seja, mesmo as atividades
agropecuárias crescendo espetaculares 15,2%, não foi suficiente para
compensar a contração moderada da indústria de 1,1% ou para aquecer o
setor de serviços.
Se
utilizarmos as comparações da variação trimestral desses números, a
conclusão é semelhante. A economia brasileira cresceu 1,0% entre o 4º
trimestre de 2016 e o 1º trimestre de 2017 (marcando o fim da recessão
técnica). Por trás dessa expansão, temos um fortíssimo crescimento das
atividades agropecuárias de 13,4%, a expansão de 0,9% da indústria e a
estagnação do setor de serviços (0,0 %). Ou seja, apesar da fortíssima
expansão das atividades agropecuárias 13,4%, o PIB cresceu “apenas”
1.0%. Oras, se as atividades agropecuárias fossem o setor que puxasse a
economia brasileira, esse crescimento do PIB não teria que ser maior?
Como uma locomotiva que cresce 13.4% gera uma expansão de apenas 1.0% no
PIB?
Por
fim, de acordo com a análise do pessoal do CODACE (Comitê de Datação de
Ciclos Econômicos) aqui da FGV, enquanto, de um lado, a forte expansão
de 13.4% das atividades agropecuárias geraram um crescimento de apenas
0.8% no PIB, o pequeno avanço de 0.9% da indústria (notadamente, na
indústria extrativista de minérios e petróleo bruto) gerou um
crescimento de 0.2% no PIB (uma vez que o setor de serviços ficou
estagnado). Em outras palavras, mantidas as mesmas proporções, é como se
o efeito multiplicador dessas indústrias fosse quase quatro vezes maior
do que das atividades agropecuárias.
Enfim,
não fico 100% confortável com o argumento de que o agronegócio é a
tábua de salvação da economia brasileira. Na realidade, não sei qual é a
vantagem de colocarmos essa responsabilidade nas nossas costas.